Limão Matutino

Quarta safra

28.10.06

Louca obsessão


Menina Má.com, de David Slade

O visual não nega: é filhote de videoclipeiro. No caso, David Slade, que fez Sour Girl, dos Stone Temple Pilots, e Mr. Writer, Stereophonics. Clipes lindos, filme lindo também. Tem uma estética curiosa, uso de cores primárias, filtros de lente que mudam de um corte ao outro (às vezes num fade). Mas Menina Má.com não se sustenta nisso, até porque o truque parece bastante simples e corriqueiro. Também não se ampara no roteiro, que apesar de funcionar na tensão, carrega um punhado de lugares-comuns.

Com o elenco reduzido a duas pessoas (outras três ou quatro cruzam a tela sem grande importância), a menina má do título nacional, e o "doce difícil" do título original, Ellen Page, engole a tela torturando física e psicologicamente o suspeito pedófilo Patrick Wilson. É interessante ver tanto a Kitty Pride de X-Men quanto o galã almofadinha de O Fantasma da Ópera transmutados quase milagrosamente em grandes atores, que sustentam um filme inteiro com um interessante duelo de atuações.

É justo falar que Menina Má.com resulta vazio, e há incongruências suficientes para que o fogo suma no rastro em dois tempos, como uma experiência meramente visual – e fracassada. Como filme de estréia, acho válido. Me lembrou One Hour Photo, quando Mark Romanek quis ser Stanley Kubrick. Em ambos o interesse é inegável, a culpa nem sempre assumida. E a inocência simplesmente inexiste.

O maior espetáculo da terra


As Torres Gêmeas, de Oliver Stone

Eis um filme que não serve pra nada. Nem pra ser criticado. Não tem sequer arroubos de cafonice ou patriotismo desmiolado. É historinha pra boi dormir, uma versão "intimista" dos acontecimentos de 11 de setembro, os atentados que mudaram o mundo. Já o filme não muda nada. Só mostra que o antes ousado – e até mesmo chato – Oliver Stone é capaz de fazer cinema extremamente correto.

Eu prefiro a época em que ele catava fio de cabelo em ovo. Diante de As Torres Gêmeas e sua infindável coleção de boas intenções, o pomposo e irregular Alexandre parece mesmo o grande filme que prometia. Temos, aqui, apenas a cara de pastel de Nicolas Cage e o Michael Pena, galgando mais degraus rumo ao coração norte-americano (depois de Crash, um outro atentado). Intercalando cenas embaixo dos escombros, temos Maria Bello e Maggie Gyllengaal, como as respectivas esposas-mães, e Jesus Cristo. Boas atrizes sem campo e uma visão ridícula da salvação.

Se cada filme tem que cumprir sua missão, a de As Torres Gêmeas – tornar-se um monumento, sem brechas de discussão, para todos os mortos e suas famílias destruídas – é conseguida com louvor estúpido. Cinema não foi feito pra isso, como nos mostrou o próprio Oliver Stone em dias melhores.

23.10.06

Corpos que caem


Dália Negra, de Brian De Palma

É incrível como De Palma não precisa se superar para fazer cinema acima da média. O noir em cores de James Ellroy, autor do ainda absurdo Los Angeles – Cidade Proibida, de Curtis Hanson, não ficou desamparado em mãos inábeis. Tudo em Dália Negra supõe um grande filme, que de fato acontece em muitos momentos, e não apenas pelas qualidades de produção que saltam aos olhos, da fotografia à trilha sonora luxuosa. Talvez o tom fique um pouco abaixo do esperado (este não é melhor que o anterior, Femme Fatale) mas nunca a ponto de se tornar uma decepção. O longa é elegante e costurado com a habilidade que sempre foi marca do diretor até em trabalhos mais fracos, como A Fogueira das Vaidades.

Josh Hartnett e Aaron Eckhart estão ótimos como protagonistas, apesar das contrapartes femininas não funcionarem tão a contento. Sobre Hilary Swank, ainda que seja esquisito vê-la interpretando uma fêmea fatal, o esforço é compensado com certa dignidade, e a moça consegue sobreviver ao equívoco. Pior se sai Scarlett Johansson, boa atriz que, aqui, nunca acerta o tom e transforma-se num grande ponto negativo: ora enfeite demais, ora incompetente demais.

Sendo assim, o especial da escalação fica mesmo com as coadjuvantes. E não falo apenas de Mia Kirshner e seu olhar magnético, fantástica como Elizabeth Short, a dália negra, sempre em cenas que simulam tragicômicos testes de elenco, atuando apenas com a voz de Brian De Palma. Rose McGowan faz rápida e marcante aparição, como uma atriz de quinta, e Fiona Shaw (a tia Petúnia do Harry Potter) brilha rápida e decisivamente como Ramona Linscott, a esnobe mãe da personagem de Hilary Swank.

10.10.06

Beleza roubada


A Dama Na Água, de M. Night Shyamalan

Eu odiava Sinais. Foi um filme que vi com olhos comuns, esperando exatamente aquilo que era vendido: medo, susto, efeitos especiais. Para mim, resultou chocho, um suspense que não investia alto em sua própria premissa, que se entregava a uma certa preguiça. Os ETs eram de CGI vagabundo e tinham medo de água. A trama parecia fechada em trivialidades, e Abigail Breslin, a pirralha, era chata demais.

Anos depois eu pude entender Sinais, e foi depois de A Vila. O impacto do monstro falso da falsa vila medieval me fez repensar M. Night Shyamalan como o cineasta das entrelinhas, muito mais que o das reviravoltas. E compreendi Sinais como um bom filme sobre superação de medos. E que o mais importante estava exatamente na história. Preguiça minha, portanto, de achar que o cara só podia me oferecer a sugestão da casa, quando o prato mais caro era infinitamente mais saboroso.

Talvez essa seja a mola-mestra de todos os seus filmes: o medo superado. Não o medo causado no espectador, não o medo que perturba, mas o que ensina. Há sempre uma lição a ser aprendida, e é em A Dama Na Água que isso fica ainda mais explícito. É um exercício de ingenuidade mitológica, e desta vez fiquei feliz de ter no filme exatamente o que tinha no trailer: a história de ninar, o conto de fadas. De novo, oferecido com certo sacrifício.

É um passo muito curto para o ridículo, mas de alguma forma, tudo funciona. Ter reconsiderado os ETs de Sinais e admirado a fantasia artesanal dos monstros de A Vila trabalhou significativamente pra isso. A Dama Na Água esconde beleza onde haveria apenas pretensão. E Shyamalan, o projeto de Hitchcock para os tempos modernos, é um cineasta tão genial quanto pretensioso. Paul Giamatti, ódio gratuito meu, consegue nas mãos do indiano o que nem Alexander Payne antes conseguiu: tornar-se um ator simpático. E aos pares com o talento cada vez mais estupendo de Bryce Dallas Howard.

Não faz mal que tudo em A Dama Na Água tenha sido tão malhado. Algumas (outras) obras-primas nasceram do mesmo jeito...

9.10.06

Guia do mochileiro


O Albergue, de Eli Roth

Acho que só minha vó passaria mal vendo O Albergue. Dito isto, o filme falha, já que o chamariz era justamente o poder nauseante de imagens de violência extrema. Mas, olha só: tem uma cena rápida de crânio esmagado que perde feio para o início/fim de Irreversível (sendo este apenas um dos muitos momentos revoltantes do filme de Gaspar Noé).

Por outro lado, o tal do Eli Roth até que tem uma mão boa pro terror que pretende. Nem parece um filme de americano. Minto, aquele ideal do jovem pré-universitário que quer apenas trepar é tipicamente norte-americano, do Oiapoque ao Chuí (digo, de Porky's a American Pie). Então é pela cabeça de baixo (não literalmente) que os jovens mochileiros de O Albergue vão morrendo violentamente.

E eu acho importante que seja assim, mesmo que só aconteça depois de um tempão sem dizer a que veio (ou, curiosamente, instigando a vontade mochileira dentro de cada um). Infelizmente, as imagens de violência gratuita são rápidas demais. Mas a justificativa é boa. E as reações desesperadas de Kana, a coreana, são os melhores momentos do filme.

Cinema epilético


Domino – A Caçadora de Recompensas, de Tony Scott

O cara tem um filme cult (Fome de Viver). É irmão de Ridley Scott e, ao que tudo indica, quis fazer "homenagem" ao Assassinos Por Natureza, de Oliver Stone. Bom que a obra-prima de 1994 tenha feito escola. Mau que este Domino – A Caçadora de Recompensas tenha vindo pra reforçar o coro dos que reclamam da "linguagem MTV" catando espaço nos cinemas. É tanto corte, tanto efeito sonoro e tanto filtro de lente que fica cansativo. Fosse de fato um videoclipe de 3 minutos, ainda conseguiria ser insuportável.

Tony Scott nunca foi um bom diretor. Tem algo a oferecer no campo visual, é verdade – e ele mesmo já dirigiu alguns videoclipes (nenhum memorável, diga-se). Mas trabalha com gente legal, como Richard Kelly, o roteirista e responsável pelos parcos bons momentos. Era pra ser bacana, e dá pra sentir isso até uns 40 minutos. Depois enjoa.

Sobre Keira Knightley, não há o que falar. Sua falta de talento é cada vez mais explícita, mas o rostinho de anjo engana. Ela sabe fazer bico e tem dois ou três pares de olhar pra compor uma bad girl fuleira – não falando da real Domino Harvey, já que o filme, sabe-se, é "romantizado". Mas ainda não sei se gosto dessa menina...

Anjos de cara suja


Terra Fria, de Niki Caro

Raio de cinema corporativo, todo hermético. Nunca sai da linha, faz tudo por cartilha, tudo correto, mas tão correto que foge do depreciativo. Dá nem pra falar que ele é ruim! Droga. Mas Terra Fria, esse negócio sério, todo ajeitadinho com a cara supostamente sofrida de uma Charlize Theron mineradora, não tem alma. E, pasmado estou, é da mesma diretora de Encatadora de Baleias, que é um filme tão genuinamente chantagista.

Alguém poderia avisar à Charlize Theron que ela não precisa salvar o mundo nem militar por causas nobres e se tornar uma segunda Sally Field. O mundo do cinema gosta dela, e vá lá que, a despeito da bosta que é aquele Monster, ela tem talento para filmes mais interessantes e com conteúdos que sustentem duas horas de filme, e que possam dar-lhe indicação mais merecida ao Oscar. Mineradoras bonitas assediadas sexualmente não merecem 126 minutos de tela. E Frances McDormand não precisava uma personagem tão apelativa quanto a líder sindical feminina com doença degenerativa.

O que poderia ser feito então? Trocar o macacão sujo de Michelle Monaghan por um vestidinho de mamãe-noel? Fazê-las cantar a infelicidade e os sonhos difíceis no meio do maquinário? Bom, talvez um tema tão desinteressante quanto este nem merecesse virar filme. Vou esperar um pouco pra ver se aquela loirinha, que faz a Charlize adolescente, estoura em mãos mais talentosas. Se acontecer, Terra Fria terá valido a pena.